segunda-feira, 7 de abril de 2014

"Últimas notícias!", de Teófilo Huerta - Para os Colégios CEM, Promove e Professor Morais

Os cientistas, os religiosos e os homens em geral não sabiam explicar as causas de tão singular fenômeno que afetou todo o planeta e pôs em perigo a vida de seus habitantes, sua estabilidade, seu harmônico equilíbrio ecológico e sua capacidade de abrigar tantas criaturas.

         O incidente lastrou-se rapidamente por todos os países, alguns sendo pegos durante o dia e outros durante a noite. A notícia começou a difundir-se a princípio como um simples boato local, pois o povo — cansado de ler, ouvir e ver informações sobre as guerras no Oriente Médio e na América Central, a ameaça de uma guerra radioativa, os aumentos dos juros das dívidas externas dos países subdesenvolvidos, os golpes de Estado e a intervenção estrangeira — não dava crédito às manchetes dos jornais do dia: “NINGUÉM MORREU ONTEM!”, “SEM ACIDENTADOS OU MORTOS”; sem faltar os que traziam cabeçalhos engenhosos: “TÂNATOS DERROTADO”, “A MORTE TIRA FÉRIAS”.
         Semelhante incidente era, sim, uma notícia, por todo o teor não habitual que ele continha. Os programas de rádio e televisão estendiam as informações ao público expectante e surpreendido.
         — “Confirmado – afirmou o carismático e confiável locutor –, nenhum homicídio, suicídio ou acidente por imprudência foi relatado ontem em qualquer delegacia ou distrito... Nossos repórteres realizam neste momento uma exaustiva investigação em funerárias e hospitais, estes que, aliás, não apresentam sequer um enfermo padecendo”.
         Nos escritórios, nas escolas, nos cafés e nos bairros, todos comentavam o acontecido numa atmosfera de serenidade, visto que se temia receber, em poucas horas, as mesmas notícias de sempre. O sucesso era, sem dúvida, considerado extraordinário, mas era tido como caso tanto quanto efêmero.
         Todavia o público se interessava cada vez mais sobre o assunto. Sempre que se movia a agulha de estação do rádio, ou se utilizava os botões de canal do televisor, lá estavam os jornalistas dando detalhes à respeito do que já era considerado um fenômeno.
         — “Nós enfrentamos um evento sem precedentes, já são 48 horas sem que seja registrada uma morte, não só em nosso país, pois, segundo enviados internacionais, este evento tomou proporções mundiais”.
         — “Isto é algo insólito. Os hospitais começam a ficar vazios, pois os pacientes se curam milagrosamente e desde as últimas horas não foi registrado qualquer caso de gripe ou diarreia”.
         — “Notícia de última hora: a ausência de vítimas fatais não se restringe apenas a uma poderosa e misteriosa capacidade do organismo regenerar suas funções no caso dos que estavam enfermos, e evitar que o vírus se instale, caso esteja o organismo saudável; não, o mais incrível é que o homem se tornou invulnerável aos acidentes e às balas, segundo as últimas informações de nossos repórteres”.
         — “No Km 25 da estrada México-Cuernavaca, recebemos um comunicado sobre uma violenta colisão entre dois ônibus, no qual os veículos ficaram praticamente destruídos, porém os seus ocupantes escaparam ilesos, repito, os ocupantes dos dois ônibus que acabaram de se chocar escaparam ilesos”.
         Diante de tais fatos, os jornais começavam a se esgotar em poucos minutos — edições especiais saíam com altas tiragens a todo o momento. Os títulos eram sumamente chamativos: “EUFORIA MUNDIAL”, “SOMOS IMORTAIS!”, “SÓ NOS FALTA O LEVANTAR DOS MORTOS!”.
         O ambiente de festa emergia em todas as casas, em muitas delas havia verdadeira algazarra. Os mais extasiados eram aqueles que abandonavam os sanatórios onde eram tratados de incuráveis males do coração, dos rins, da bexiga, da vesícula; parecia que finalmente o câncer e a AIDS haviam sido derrotados. Sortudos também eram os que, apesar de serem atropelados, fuzilados, esfaqueados, enforcados e afogados, estavam inteiramente sãos.
         O júbilo era quase universal, mesmo entre aqueles que não passaram por qualquer perigo havia a ideia segura de que nada aconteceria a eles. As crianças brincavam sem se cansar e repetiam as frases ditas pelos adultos: “Nós não vamos morrer, não vamos morrer.” Os jovens literalmente esvaziavam as adegas e, além de se embebedarem excessivamente (a ressaca tinha desaparecido), derramavam o conteúdo das garrafas em seus cabelos. Os velhos, estupefatos e cheios de energia, dançavam, cantavam e não paravam de divagar sobre seus futuros projetos.
         — Temos tantos anos pela frente, Juventino – dizia entre suspiros uma velhinha.
         — Tantos não, Mariquita, temos todos os anos que virão!
         — É verdade, Juventino, quem irá dizer que não, não é?
         — Pois como você disse, Mariquita, agora que temos todos esses anos e recuperamos a vitalidade, poderemos ser muito felizes juntos...
         — Ah! que dádiva, Juventino. Com tais dizeres, fiquei até envergonhada.
         Homens e mulheres celebravam alegres e ébrios, noite após noite, sua imortalidade, rasgando calendários e lançando-os ao vento; outros, seguros da eterna prosperidade de seus negócios, ofereciam dinheiro aos mais miseráveis, pois, embora estes tivessem garantida a sua saúde, não deixavam de sofrer a indiferença social.
         Os mais contentes, sem medo algum, subiam ao topo dos edifícios para atirar-se uma e outra vez. Todos os lugares foram transformados em verdadeiros centros de disparidades, até mesmo nas igrejas os fiéis adoravam com gritos a Deus, apesar da prudência que os padres usavam ao orar.
         Embora os noticiários e os programas especiais procurassem dar uma explicação ao fenômeno, as pessoas só se interessavam em desfrutar de sua nova condição e nem sequer davam crédito aos rumores de que o caso poderia ser eventual.
         — “Alguns cientistas de Massachusetts – apontaram os locutores – acreditam que o atual fenômeno da imortalidade pode estar associado à existência de substâncias químicas, até então desconhecidas, que se desprenderam juntamente com o nascimento do vulcão Pipolo em Sevilha”...
“Outra das teorias está sendo mantida por especialistas de Moscou, que atribuíram a existência do caso a uma variação da órbita da Terra, provocada talvez pela interferência de tantos satélites espaciais...
“Por outro lado, Sua Santidade declarou, perante uma multidão de fiéis no Vaticano, que hoje como ontem, independentemente das condições materiais existentes, não devemos ser tentados pelas coisas mundanas que nos oferecem uma relativa felicidade e que, em vez de se festejar uma suposta imortalidade do corpo, devemos nos preocupar com a salvação da alma...
“Tanto os cientistas como o Papa, têm reservas quanto à perenidade deste fenômeno...”
         O que era novo logo começou a manifestar condutas que ninguém havia previsto, ocasionando sérios problemas para as autoridades de cada país, de cada região, de cada povo.
         Os médicos estavam desesperados por não poderem atender casos simples como dores de cabeça, ou mesmo uma fratura; o corpo humano se tinha tornado perfeito. Sob essas condições, alguns médicos optaram por dedicar-se exclusivamente a partos, enquanto outros tentaram exercer diferentes atividades, assim como procuraram outros afazeres os empregados e proprietários de funerárias. Muitos dos novos e luxuosos cemitérios tornaram-se clubes de golfe e centros recreativos privados.
         As companhias de seguro de vida já não tinham clientes e sentiam a falência aproximar-se (assim como muitas empresas farmacêuticas). Já os policiais trabalhavam horas extras para monitorar e capturar ladrões que, confiando não se tornarem assassinos, usavam somente a força contra seus reféns, estes que entregavam joias e o que continha em seus bolsos e carteiras.
         Conforme corriam as semanas, a situação tornou-se mais complicada. Muitos líderes políticos, embaraçados pela presença do fenômeno, preferiram dar uma trégua em suas batalhas. Não obstante, outros líderes de mentalidade expansionista, optaram por ordenar a seus soldados a luta primitiva no corpo a corpo, e a colocação engenhosa de armadilhas para capturar o maior número possível de inimigos.
         Apesar de a humanidade estar relativamente mais unida (e seu principal objetivo fosse viver, viver e viver), as relações diplomáticas entre alguns países não variaram muito, pois com mortos ou sem eles, os interesses de certos estadistas ambiciosos se mantiveram inalterados.
         Muitos problemas foram esquecidos diante dessas condições: já não existiam a trágica falta de alimento e a desnutrição; consequentemente os seres humanos não mais se alimentavam; a poluição ambiental já não ameaçava os pulmões dos habitantes; aumentou-se o número de fumantes e bebedores sem prejuízos para a saúde.
         Mas novos problemas foram gerados: a produção de alimentos já não tinha a mesma procura, a balança comercial de todos os países sofria evidentes desajustes. Sem mencionar a produção de armas de guerra, base econômica das potências mundiais; agora este ramo estava totalmente paralisado, a nada se podia matar, e isso ocasionou mudanças drásticas nos movimentos financeiros em todo o mundo. Era a pior recessão sofrida pela humanidade.
         Com este pano de fundo de desestabilização tanto política quanto econômica, a imortalidade era uma nova ameaça para a paz social. Em cada região, as pessoas sentiam os efeitos da crise: o desemprego terrivelmente se agrava, o nível de vida caía de forma significante, a luta de classes se polarizava mais do que nunca.
         Quando as manifestações de euforia sobre a imortalidade terminaram, o cotidiano se tornara angustiante. A ambição pelo poder e pelas coisas materiais crescia, a competição em todas as esferas sociais era super evidente. Todos queriam viver, mas queriam viver bem, tendo o melhor emprego, as melhores oportunidades, o melhor porvir... só que a realidade era outra: a grande maioria vivia, mas vivia mediocremente.
         As disputas originadas na inveja, no egoísmo e no medo surgiram até nos mais longínquos cantos da Terra, entre parceiros, sócios, amigos esposos, pais e filhos.
         — Andrea, você não pode me abandonar, me jurou amar por toda a vida.
         — Mas, Felipe, não percebeu que agora não há morte que nos separe?
         Os compromissos nupciais entravam em desuso, as heranças já não funcionavam e os supostos beneficiários rasgavam-se com suas próprias unhas. Os advogados se escabelavam para resolver se era justa, ou não, a aplicação da prisão perpétua.
         Embora a taxa de natalidade fosse crescente, a de mortalidade já não existia. O mundo se povoava aceleradamente, tinha-se quebrado qualquer previsão que por si só era alarmante.
         De uma forma paradoxal, mesmo sem as bombas radioativas e de nêutrons, a Terra carecia de paz. Era difícil imaginar que em algum canto alguém poderia estar tranquilo, feliz. Reinava a incerteza, todo o mundo começava a preocupar-se com o modo de viver a sua imortalidade, de como tirar proveito dos outros. O caos era aterrador. Respirava-se tensão.
         Apesar de a saúde física dos seres humanos estar garantida, gradualmente surgiam registros de desequilíbrios mentais – resultado da intensa angústia em que todos viviam. Os psiquiatras que se dedicavam a outras tarefas voltaram a ser solicitados por clientes ansiosos a procura de paz. Ao procurar ajuda, os pacientes desejavam encontrar uma resposta para o que fazer com a sua imortalidade em um mundo insano e conflituoso.
         A angústia das pessoas não se restringiu aos consultórios e clínicas, mas, ante o pânico de todos, os manicômios começaram a ficar saturados. Os nervos atacavam sem misericórdia. Isto era o que mais assustava a toda gente, pois “de que serviria viver eternamente num estado de neurose?”
         As pessoas estavam desapontadas, confusas, presas à vida em um planeta desconcertante.
         De repente, depois de quem sabe quantos dias ou meses, em uma cidade onde se erguia um edifício, um trabalhador, depois de despencar do décimo segundo andar, não mais se levantou do chão. Pessoas timidamente se achegaram e rodearam o homem. Atordoados, incrédulos, paralisados, todos miravam o homem imóvel; ninguém o queria tocar. Finalmente, um corajoso se prontificou, tomou o pulso do trabalhador e, atônito, se dirigiu ao grupo:
         — Está morto!
         Em diferentes lugares se sucederam, um após outro, casos similares. Aqui um infarto, ali um atropelado, um incinerado, um afogado. Almas que se desprendiam de seus corpos ante o entusiasmo da multidão.
         Emergencialmente, hospitais, crematórios e funerárias voltaram a funcionar. Uma rara paz carregada de misticismo e resignação envolvia o ambiente. Os títulos dos periódicos traziam notícias das novas guerras, dos discursos políticos e das altas dos preços.
         Sem manifestações de júbilo, tampouco de desespero e tristeza, as pessoas de todos os confins congratularam-se com o regresso da normalidade e, mais do que isso, da naturalidade.
         A vida em todas as suas classes começava a se reorganizar. Antigos conflitos recomeçariam, mas agora as pessoas contavam com uma vontade especial para superá-los dentro de seus próprios limites, os limites que impõe a imortalidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário